Cúpula de Belém surpreende ao trazer de volta o petróleo para o foco das negociações da COP
COP30: 2º dia da Cúpula dos Líderes discute transição energética e Acordo de Paris Às vésperas da COP30, em Belém, poucos apostariam que o Brasil trari...
COP30: 2º dia da Cúpula dos Líderes discute transição energética e Acordo de Paris Às vésperas da COP30, em Belém, poucos apostariam que o Brasil traria a pauta do afastamento dos combustíveis fósseis para o centro do debate na Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas. Nesta sexta-feira (7), porém, no encerramento da Cúpula dos Líderes, que precede a COP, organizações ambientalistas celebraram o impulso político dado pelo anfitrião do evento – o governo brasileiro – à discussão sobre o grande elefante na sala das negociações climáticas. Ao defender que os países debatam como encaminharão o fim da dependência dos combustíveis fósseis, e ao reconhecer as contradições sobre o tema em seu próprio governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) relançou um tema que estava esquecido sob a mesa desde 2023, em meio a um contexto de retomada de guerras no mundo e de crise do multilateralismo. A COP28, em Dubai, chegou à histórica decisão de que a humanidade precisa "se afastar" dessas fontes poluentes. "Agora, voltamos a falar sobre como a gente vai fazer esse caminho para longe dos combustíveis fósseis. Faltava a gente falar desse assunto", frisa André Castro Santos, diretor técnico da organização LaClima "Eu tenho a impressão de que se o Lula trouxe o mapa do caminho para a sua fala, é porque ele sente apoio suficiente para colocar essas fichas na mesa. Se ele não tivesse as boas cartas para jogar, não sei se ele teria colocado essas fichas logo no primeiro dia", aposta o especialista em regime internacional de mudanças climáticas. 'Foto de família' da Cúpula dos Líderes antes da COP30 em Belém Adriano Machado/Reuters Triplicar energias renováveis até 2030 O presidente brasileiro afirmou que "é hora de levar os alertas da ciência a sério" e de "decidir se teremos a coragem e a determinação necessárias" para promover a transição energética. Ele cobrou os países a cumprirem o compromisso de triplicar as energias renováveis e dobrar a matriz energética até 2030. Claudio Angelo, analista de políticas climáticas internacionais do Observatório do Clima, acrescenta ainda a menção ao fim do desmatamento, também salientada pelo presidente brasileiro na sua fala na abertura do evento, na quinta-feira (6). Para ele, a Cúpula do Clima conseguiu dar um impulso político às negociações diplomáticas, que começarão oficialmente na segunda-feira (10). "É melhor do que a gente esperava. A gente chegou numa COP com um ambiente internacional horrendo, e a gente vai começá-la com um sinal político do anfitrião de que nós precisamos de dois mapas do caminho para discutir as duas causas do aquecimento global – que nem estão na agenda desta COP”, observa Ângelo. "O fato de Lula ter falado em mapa do caminho para fósseis e desmatamento significa que agora existe pelo menos uma perspectiva das causas do aquecimento global começarem a fazer parte das COPs do Clima, e isso é superpositivo." Cobranças de ONGs O tom foi semelhante entre muitas das ONGs que acompanharam o evento em Belém. A coordenadora da Resource Justice Network para a América Latina, Laura Montaño, disse que as falas de Lula “marcaram um impulso promissor no debate global sobre os combustíveis fósseis”. O diretor da 350.org, Ilan Zugman, comentou que os discursos foram "fortes", mas "as ações precisam começar em casa" e "não se pode pedir ambição climática enquanto se aumenta a produção de petróleo na Amazônia". A CAN (Climate Action Network), uma das mais respeitadas entidades internacionais, salientou que os países "chegam à COP de mãos vazias" e que nenhum dos envolvidos mencionou "como vai fazer a saída" dos combustíveis fósseis. Lula na COP Mauro PIMENTEL / AFP "Eles tiveram a chance de fazer isso, nas suas NDCs [Contribuições Nacionalmente Determinadas], com planos realistas. Mas, em vez disso, reconduziram a crise climática." As 196 nações integrantes da Convenção do Clima deveriam entregar em 2025 seus novos compromissos climáticos, no horizonte de 2035 – mas pouco mais de um terço delas atualizou suas metas. Para piorar, os projetos apresentados vão na direção de uma queda insuficiente das emissões globais de gases de efeito estufa. Apenas 30 chefes de Estado e de Governo estiveram na Cúpula em Belém, realizada pela primeira vez em datas separadas da Conferência da ONU sobre o tema e afetada por dificuldades de logística. Entre os presentes, estavam o francês Emmanuel Macron, o britânico Keir Starmer, o sul-africano Cyril Ramaphosa e o colombiano Gustavo Petro – autor do discurso mais veemente contra a inação dos governos pelo mundo no combate à crise climática. "O Petro quer falar desse assunto, o Keir Starmer acho que também quer, porque o Reino Unido colocou isso na NDC. Mas está todo mundo muito cauteloso porque esse tema virou uma coisa tóxica na negociação de clima”, acrescenta Ângelo. "O jeito mais eficiente de acabar com qualquer conversa hoje dentro da Convenção do Clima é falar a expressão 'combustíveis fósseis' em uma sala de negociação. Imediatamente, o clima azeda.” Líderes dão as mãos em foto de família na Cúpula dos Líderes, em Belém. REUTERS/Adriano Machado China A China, maior emissora de gases de efeito estufa, enviou a Belém um representante de segundo escalão, o vice-primeiro-ministro Ding Xuexiang. Em um discurso sucinto, ele pregou o fim dos entraves comerciais para a expansão das energias renováveis no mundo. Pequim é a principal motora da implementação da transição energética, sendo a responsável pela despencada dos custos de painéis solares, baterias e outros equipamentos. "Para eles, isso tudo é business. Os chineses entenderam que já estão ganhando dinheiro e têm mais a ganhar com a transição”, resume o especialista do Observatório do Clima. "Por mais frustrante que seja o seu discurso e a própria NDC dela, continuar tendo a China a bordo não é pouca coisa no mundo em que a gente vive hoje”, aponta Ângelo. A fraca presença de lideranças, entretanto, não significa uma ameaça aos resultados finais da COP, salientam os especialistas. O governo brasileiro confirmou que 191 estão credenciados para participar das duas semanas de negociações, o que garante o quórum para decisões formais, em 22 de novembro. Com a cúpula desta quinta e sexta esvaziada de líderes, o Planalto focou as discussões em temas de seu próprio interesse, como as florestas. O país lançou oficialmente a proposta do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que contou com o apoio de 53 países já no primeiro dia. "O TFFF foi bem recebido e esse era um primeiro desafio. A gente já ter tido metade do aporte financeiro que era a meta, em poucas horas, começou bem, e ainda tem mais duas semanas para o negócio andar”, avalia André Santos. "Conforme os países vão aderindo, outros também poderão se sentir confortáveis para aderir ao fundo”, observa. Em outro tema prioritário para a diplomacia brasileira, o financiamento climático, os países discutirão uma proposta apresentada pelos presidentes da COP30, o embaixador brasileiro André Corrêa do Lago, e o da COP29, o azerbaijano Mukhtar Babayev. Em 2024, em Baku, os países concordaram em mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais para países em desenvolvimento até 2035. O roteiro para concretizar essa promessa redesenha a arquitetura do financiamento global, com a ampliação dos participantes do esforço financeiro e a criação de novos mecanismos inovadores, incluindo a taxação dos ultrarricos. As propostas foram bem recebidas, mas receberam críticas de ONGs como o Greenpeace, por não assegurarem o financiamento público dos países desenvolvidos em direção aos países em desenvolvimento.